Comparando MBTI, DISC, NEO-PI e HumanGuide na Gestão de Recursos Humanos

 





No cenário corporativo contemporâneo, a avaliação de personalidade é uma ferramenta essencial para o desenvolvimento e gestão de talentos. Este artigo analisa quatro metodologias amplamente utilizadas: MBTI, DISC, NEO-PI e HumanGuide, destacando suas diferenças, fundamentos teóricos, dimensões avaliativas, além de questões éticas e legais, especialmente no contexto brasileiro.



MBTI: Tipologia apoiada em Jung


O Myers-Briggs Type Indicator (MBTI) é um dos testes de personalidade mais populares no mundo. Criado por Katharine Cook Briggs e Isabel Briggs Myers durante a Segunda Guerra Mundial, o MBTI visa ajudar as pessoas a compreenderem suas preferências pessoais, facilitando escolhas profissionais e pessoais mais eficazes. Esse instrumento classifica os indivíduos em 16 tipos distintos, apoiando-se nos tipos psicológicos de C. G. Jung e combinando quatro dicotomias principais: Extroversão (E) vs. Introversão (I), que se refere à fonte de energia psíquica do indivíduo, estimulada por fatores externos ou internos; Sensação (S) vs. Intuição (N), que expressa como a pessoa costuma captar informações e apreender a realidade, baseado em dados concretos ou por meio da abstração; Pensamento (T) vs. Sentimento (F), que diz respeito ao processo de tomada de decisões, que pode considerar princípios lógicos impessoais ou apoiar-se em valores pessoais e efeitos sobre as pessoas; e Julgamento (J) vs. Percepção (P), que descreve como os indivíduos lidam com o mundo exterior, de uma maneira estruturada e decidida, ou mais flexível e espontânea.


Utilizado amplamente em ambientes de recrutamento e desenvolvimento organizacional, o MBTI visa revelar preferências inatas e potencializar a eficácia do trabalho em equipe ao alinhar funções, estilos de comunicação e estratégias de gerenciamento baseados nos diferentes tipos de personalidade. Apesar de sua ampla adoção em ambientes de recrutamento e desenvolvimento organizacional, o MBTI enfrenta críticas significativas devido à falta de respaldo científico robusto. Estudos questionam a precisão desses testes, obtida por meio do teste-reteste, sugerindo que os resultados podem variar em administrações repetidas (Emre, 2018). Além disso, a abordagem de tipologias rígidas do MBTI contrasta com teorias modernas de personalidade, que são mais fluidas e dimensionadas.



DISC: Tipologia Convencional


O DISC, desenvolvido por William Moulton Marston, avalia quatro dimensões da personalidade: Dominância, que avalia assertividade e controle; Influência, ligada à comunicação e relações interpessoais; Estabilidade, que reflete paciência e persistência; e Conformidade, que expressa precisão e adesão a normas. 


Disponibilizado em formatos tradicionais e digitais, os testes que adotam este modelo são amplamente utilizados para melhorar a comunicação e a coesão de equipes, fornecendo insights sobre estilos de interação e preferências comportamentais. Atualmente, em termos mundiais, existem pelo menos cinquenta empresas que empregam um instrumento descritivo do comportamento baseado na teoria de Marston. Como o modelo DISC é de domínio público, as empresas registraram os direitos autorais do material que desenvolveram com base nesse modelo.


Embora seja amplamente utilizado em ambientes corporativos para desenvolvimento organizacional, o modelo DISC enfrenta críticas significativas por não considerar diferenças culturais e por não avaliar habilidades específicas ou a capacidade de resolução de problemas. Ele é visto como inadequado para prever o desempenho no trabalho, pois mede apenas comportamentos, sem fornecer uma visão completa das competências necessárias para um determinado cargo. Além disso, a possibilidade de manipulação dos resultados levanta preocupações sobre sua precisão e aplicabilidade em processos de seleção. 


Especialistas alertam que, embora útil para entender interações e abordagens de projetos, o DISC não deve ser usado como ferramenta de pré-seleção, pois carece de validação formal e normatização adequada, conforme recomendado por órgãos reguladores como a Comissão de Igualdade de Oportunidades de Emprego dos EUA. Estudo de validade do DISC conduzido por Beedu (2021) revela limitações significativas em relação aos parâmetros psicométricos de validade e precisão, pois apoia-se tão somente no autorrelato dos respondentes para atestar a acuidade do resultado no teste. O DISC enfrenta críticas por não realizar uma análise fatorial robusta que suporte suas dimensões como fatores independentes e válidos, além de apresentar inconsistências em testes de reteste, sugerindo variações significativas nos resultados ao longo do tempo. Ademais, a falta de correlação com outras medidas de personalidade reconhecidas, limita sua validade convergente, colocando em questão sua capacidade de medir construtos de personalidade de forma eficaz.


No Brasil, a aplicação do DISC levanta questões éticas e legais, pois ainda não possui aprovação do Satepsi. A Lei n° 4.119 de 1962 e a Resolução CFP nº 002/2003 determinam que apenas psicólogos qualificados podem aplicar testes psicológicos, e o uso do DISC por não-psicólogos pode ser considerado exercício ilegal da profissão. Isso ressalta a importância de garantir que qualquer aplicação de testes de personalidade esteja em conformidade com as regulamentações locais e as melhores práticas éticas. Além disso, a utilização do DISC por psicólogos caracteriza infração ética.



NEO-PI: Modelo dos Cinco Grandes Fatores


O NEO Personality Inventory foi construído por Paul Costa e Robert McCrae com base no modelo dos Cinco Grandes Fatores, popularmente conhecido como Big Five, resultado de várias pesquisas e contribuições de vários pesquisadores, desde Cattell. Ele oferece uma visão descritiva e detalhada dos traços de personalidade, considerando cinco dimensões: Abertura, que se à apreciação da arte, emoção, aventura, ideias incomuns, imaginação e curiosidade; Conscienciosidade, que indica tendência à autodisciplina, a agir de forma planejada e ser organizado; Extroversão, expressa o direcionamento da energia para o mundo externo caracterizada por assertividade, sociabilidade e busca por excitação; Amabilidade, que mostra tendências a ser compassivo e cooperativo com os outros; e Neuroticismo, relacionado com a tendência a experimentar emoções negativas, como ansiedade, raiva ou depressão. 


Embora o modelo dos Cinco Grandes Fatores (Big Five) seja amplamente reconhecido e utilizado, apresenta algumas desvantagens que são alvo de críticas. Ele é considerado por alguns como excessivamente simplificado, pois não captura a complexidade da personalidade humana e não considera suficientemente a influência de situações específicas. Com base estatística, carece de uma abordagem teórica sobre a dinâmica da personalidade, sendo extremamente descritivo e estatístico. Também há um foco reduzido em emoções e motivações internas profundas, que afetam interações pessoais e decisões comportamentais fundamentais. Ao pressupor a estabilidade dos traços ao longo do tempo, esse modelo ignora mudanças percebidas em resposta a eventos significativos. Além disso, a categorização amplificada dos traços, que são muito amplos, pode falhar ao explicar comportamentos complexos e os determinantes da motivação, que envolvem a interação multifacetada de múltiplos fatores. Essas limitações sugerem a necessidade de complementar os testes no modelo Big Five com outras abordagens para uma compreensão mais completa da personalidade humana.


Embora o NEO-PI não explore profundamente as motivações psicológicas subjacentes, sua robustez psicométrica e metodológica e sua capacidade de capturar uma ampla gama de traços fazem dele uma ferramenta valiosa para a avaliação de personalidade. Ele se destaca por sua capacidade de prever comportamentos e resultados em contextos variados, desde o desempenho no trabalho até a saúde mental. Este modelo é amplamente validado e utilizado em diversos contextos, sendo o mais utilizado em pesquisa acadêmica, proporcionando uma base sólida para a compreensão das diferenças individuais.



HumanGuide: Uma Perspectiva Psicodinâmica


Em contrapartida, o HumanGuide proporciona uma avaliação não tipológica, sustentada por uma abordagem psicodinâmica. Fundamentado na teoria psicodinâmica de Szondi, o HumanGuide oferece uma avaliação precisa e individualizada da personalidade, capturando uma ampla gama de nuances comportamentais. Ele avalia a personalidade com base em oito dimensões distintas, que ajudam no entendimento dos traços comportamentais e motivacionais dos indivíduos. A dimensão Sensibilidade refere-se receptividade ao outro, à empatia e à necessidade de atender e acolher o outro. Força mede a determinação e a capacidade de superar desafios e adversidades. Qualidade diz respeito à necessidade de assumir responsabilidade e contribuir de maneira significativa para o outro. Exposição avalia a disposição para estar no centro das atenções e a necessidade de reconhecimento. A dimensão de Estrutura expressa necessidade de controle,  valorização da ordem, organização e planejamento. Imaginação refere-se à criatividade e à valorização de ideias inovadoras e originais. Estabilidade aborda a necessidade de manter e conservar a estabilidade das coisas, mostrando apego ao passado e uma necessidade de constância. Por fim, Contatos diz respeito à sociabilidade, à necessidade de estabelecer e construir uma rede de contatos. Essas dimensões fornecem uma compreensão profunda das tendências comportamentais do indivíduo, auxiliando no desenvolvimento pessoal e profissional. 


A ausência de classificação rígida dos resultados torna-o uma ferramenta valiosa para uma compreensão mais rica e subjetiva da personalidade humana. O HumanGuide destaca-se pela capacidade de refletir sobre as complexas motivações internas que dirigem o comportamento. Ao contrário do MBTI, que categoriza indivíduos em tipos fixos, e do DISC, que se concentra em estilos comportamentais, ou do NEO-PI, cujas dimensões são muito amplas, o HumanGuide oferece insights profundos sobre motivações e comportamentos individuais, facilitando uma abordagem mais personalizada e adaptativa na gestão de talentos. 


A amplitude de nuances capturada pelo HumanGuide destaca sua capacidade de fornecer uma avaliação mais completa e integrada, dialogando efetivamente com as complexidades da personalidade humana. Ele não só mede traços de personalidade, mas também avalia motivações subjacentes, oferecendo um relato mais intimista e individualizado sem normatizar os resultados. Essa característica permite que profissionais de recursos humanos capturem nuances específicas de cada candidato ou colaborador, contribuindo para uma compreensão mais profunda e estratégias mais eficazes de gestão de pessoas.


Comparando teoricamente o HumanGuide com o MBTI, considerando a teoria de Szondi, observamos que as orientações centrífuga e centrípeta dos fatores HumanGuide têm semelhanças com extroversão e introversão de Jung, presentes no MBTI. As funções associadas aos vetores paroxístico e do ego de Szondi se aproximam  das funções de percepção e julgamento do MBTI, oferecendo assim uma interpretação ainda mais rica dos traços indutores do comportamento individual. A preferência por uma determinada função psíquica pode ser explicada pelos fatores motivacionais avaliados pelo HumanGuide.


Para psicólogos – sejam eles usuários ou não do HumanGuide – essa perspectiva mais abrangente e integrada pode exibir uma acuidade superior nas aplicações práticas. Em um mundo corporativo cada vez mais dinâmico e complexo, há uma demanda crescente por métodos que possam capturar, de forma fidedigna, a diversidade comportamental e motivacional dos indivíduos. A integridade e a complexidade trazidas pelo HumanGuide permitem que os psicólogos abordem os trabalhadores com uma compreensão mais empática e, portanto, mais eficaz.


Em síntese, todas as metodologias apresentam um espectro de vantagens e desvantagens. O MBTI oferece autocompreensão e desenvolvimento pessoal, mas tem sua validade científica questionada. O DISC é valorizado por sua facilidade em identificar estilos de comunicação, embora a falta de regulamentação e suporte empírico suscite preocupações regulatórias no Brasil, por não ter aprovação do Satepsi. O NEO-PI é solidamente validado nas descrições fatoriais, sem destacar o que motiva internamente esses traços. O HumanGuide destaca-se por um método que privilegia a complexidade intrínseca do indivíduo sem normatização, embora isso exija domínio sobre seu embasamento teórico.



Considerações Éticas e Legais


Para psicólogos e profissionais de RH, a escolha da ferramenta de avaliação de personalidade deve ser criteriosa, respeitando as normas éticas e legais vigentes. Enquanto o MBTI e o DISC oferecem insights úteis, suas limitações devem ser consideradas. O NEO-PI, com sua validação robusta, e o HumanGuide, com sua abordagem não tipológica e precisão elevada, apresentam-se como alternativas valiosas para uma avaliação mais completa e ética.


A aplicação correta dessas ferramentas pode enriquecer significativamente o entendimento das pessoas e a otimização de equipes, refletindo tanto as necessidades específicas do ambiente corporativo quanto a adesão às diretrizes que asseguram a integridade da prática profissional. Garantir que as metodologias sejam aplicadas de maneira ética e legalmente correta é essencial para maximizar seus benefícios e minimizar potenciais riscos ou mal-entendidos.


Para os psicólogos, engajados no uso de ferramentas de avaliação da personalidade, a rigorosa adesão aos padrões normativos e éticos vigentes, como os estipulados pelas diretrizes do CFP, garante sua aplicação responsável e eficaz. A escolha e uso das ferramentas na prática profissional devem refletir a congruência com as especificidades do ambiente, assegurando o respeito às normas que protegem a integridade e a ciência da avaliação psicológica.




Referências


Beedu, G. K. (2021). A Study on the effectiveness of DISC personality test. Selinus University of Sciences and Literature.


Bents, R. & Blank, R. (2001). Der M.B.T.I. - Die 16 Grundmuster unseres Verhaltens nach C.G. Jung - Eine dynamische Persönlichkeitstypologie. München:Claudius Verlag


De Raad, B. & Perugini, M. (2002). Big Five Assessment. Göttingen: Hogrefe & Huber Publichers


Costa, P. T.. & McCrae, R. R. (2010). NEO PI-R: Inventário de Personalidade Neo Revisado e Inventário de Cinco Fatores Neo Revisado Neo-FFI-T (versão curta). São Paulo: Vetor Editora Psicopedagógica


Emre, M. (2018). The personality brokers: the strange history of Myers-Briggs and the birth of personality testing. First edition. New York, Doubleday.


Marston, W. M. (2016). As Emoções das Pessoas Normais. São Paulo: Success For You Editora.


Remann, P. & Nordin, A. (2021). Personality Tests in Recruitment. Ed. project, 2-15.


Welter, G. M. R (2011). Perfil Pessoal HumanGuide - Vol 1. São Paulo: Vetor Editora Psicopedagógica






Comentários

  1. Muito bom Gisele o artigo, obrigado por ter escrito e publicado. Algumas informações, principalmente sobre o DISC vão em ajudar muito. Mas essa ampla disseminação gera resistência a novos meios entender o comportamento e personalidade.

    ResponderExcluir
  2. É realmente um grande desafio vencer a resistência à mudança e apontar outras possibilidades. Boa sorte e sucesso pra você!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas