HUMANGUIDE: IMPORTANTE AUXILIAR NA CLÍNICA DE TERAPIA DE CASAL

Maristela Chrysostomo da Silva Gragnani

*Psicologa e Psicanslista. Especialista em Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica  pela FMUSP. Certificação HumanGuide e Rorschach. Assistente de Pesquisa do GEPECH (Grupo de Estudos e Pesquisa do Comportamento Humano) *.

O presente artigo apresenta uma proposta de avaliação da personalidade na prática clínica, em terapia de casal. Esse instrumento auxilia na identificação das pulsões motivacionais das escolhas conscientes e inconscientes de cada um, e que são causadores dos conflitos.  Isso  ajuda na busca de  estratégias no gerenciamento das emoções e desenvolvimento da relação empática, abrindo espaço para uma boa comunicação entre o casal.

Diversos fatores são levados em consideração na clínica, quando um casal nos procura. A primeira delas é entender quais os sentimentos que cada um tem com relação ao seu casamento, relacionamento ou esposo(a), e quais são os conflitos gerados pela oposição de ideias, sentimentos ou interesses. Geralmente os problemas surgem quando o casal tenta resolver esses conflitos, existentes. E cada um dosa as suas emoções e reações de acordo com a sua personalidade.

Personalidade, em psicanálise, tem um sentido genérico, mais especificamente, é a construção de um modo de ser, de como o sujeito será percebido pelos outros. Na teoria da personalidade de Freud, a personalidade humana   pode ser definida como o conjunto de características mentais que formam parte de um indivíduo, e o diferencia dos demais Fadiman (1939).

E a construção da personalidade influencia a maneira como a pessoa lida com seus conflitos. Segundo Kenmo (2005, p.51), “A personalidade desempenha um importante papel na  vida do indivíduo, pois governa suas ações e seus pensamentos”. 

Para me auxiliar nesse processo, adotei um instrumento para avaliar o perfil do individuo no contexto organizacional: o HumanGuide. Trata-se de um teste de personalidade online multidimensional, que tem como objetivo apreender o perfil motivacional, desenvolvido por Kenmo (2007) e introduzido no Brasil por Welter (2007). Com base na teoria de Szondi (1975), o instrumento avalia oito fatores de necessidades pulsionais que determinam as escolhas do indivíduo nos diferentes âmbitos da sua existência,  inclusive no contexto organizacional, pois influenciam o comportamento e desempenho das pessoas. Esse teste é ideal para identificar os motivos psicológicos determinantes das preferências, comportamentos e escolhas de cada um, e fazer inferências sobre suas expectativas. Auxilia no entendimento das queixas e na identificação de pontos de contato e de harmonia. Ajuda no estabelecimento de objetivos comuns, favorece o respeito mútuo e aumenta a tolerância, por meio da ampliação do entendimento da motivação de cada um.

Para se ter uma melhor compreensão do instrumento, as oito dimensões avaliadas pelo HumanGuide, denominadas fatores de necessidades pulsionais, são: Sensibilidade: ser suave e sensível; Força: ser ativo; Qualidade: ser responsável; Exposição: ser visto; Estrutura: manter a ordem; Imaginação: ser imaginativo; Estabilidade: ser econômico; Contatos: ser sociável (Kenmo, 2005, p.56).

Tabela 1: Fatores HumanGuide, segundo Kenmo (2005)

FORÇA	EXPOSIÇÃO	IMAGINAÇÃO	CONTATOS
Competitivo	Carismático	Curioso	Sociável
Enérgico	Charmoso	Inventivo	Comunicativo
Assertivo	Orgulhoso	Flexível	Descontraído
Direto	Quer atenção	Aprecia experimentar	Informal
SENSIBILIDADE	QUALIDADE	ESTRUTURA	ESTABILIDADE
Receptivo	Confiável	Ordeiro	Conservador
Cuidadoso	Consciencioso	Detalhista	Pragmático
Atencioso	Responsável	Aprecia planejar	Econômico
Aprecia proximidade	Perseverante	Precavido	Apego à tradição

O casal,  foco deste trabalho, veio ao meu consultório,  visando atendimento  para eles, com o objetivo de melhorarem as suas comunicações, acabarem com a competição entre eles e fortalecerem sua união. Eles namoram há 5 anos, sem filhos. Os dois trabalham sob forte pressão de cumprimento de metas para a área comercial do setor privado. São muito ambiciosos e competitivos nas suas áreas. Apesar de se amarem muito, há entre eles um deslocamento de suas emoções negativas das pressões diárias, depositadas no próprio relacionamento. No calor das emoções, usam as ofensas com intenção de ferir o outro. Ambos são estressados, muitos ansiosos, irritáveis e exigentes um com o outro. 

Primeiramente, apliquei o Perfil Pessoal HumanGuide em cada um, para entender as suas características pessoais, o que os motivam, quais suas necessidades psicológicas fundamentais (fatores). 

               Figura 1: Perfil Pessoal da Sra. Y

                   Figura 2: Perfil Pessoal do Sr. Y

A análise do perfil pessoal da Sra. Y revela forte presença dos fatores Força e Estrutura, uma vez que suas ações estão voltadas para a transformação da realidade à sua volta e para a superação dos obstáculos que se interpõem a seus objetivos. Seu ritmo de trabalho é acelerado, reagindo rapidamente a mudanças, o que cria sentimentos de urgência nas outras pessoas. Seu comportamento é assertivo e afirmativo. Tem necessidade de lidar com que é concreto, empiricamente comprovável e passível de verificação, medição e controle. É detalhista, metódica e sistemática, aprecia o trabalho exato, atendendo a normas e procedimentos.

A análise do perfil do Sr. Y revela forte presença no fator Qualidade, uma vez que suas ações se destacam pelo empenho e compromisso com a tarefa, fortemente orientado para resultados concretos e significativos. Dispõe de acentuado senso de responsabilidade, com necessidade de corresponder ao voto de confiança nele depositado. Bastante orientado para objetivos, e comprometido com a qualidade do seu trabalho, torna-se uma pessoa exigente e crítica, que costuma ficar insatisfeito com o nível de qualidade atingido e com a velocidade da ação, podendo revelar-se perfeccionista e detalhista. 

O perfil pessoal foi discutido, individualmente, em sessões separadas, onde cada um pôde refletir sobre si mesmo e sobre os seus próprios desenvolvimentos, e depois ficaram à vontade para discutir os seus comportamentos típicos, objetivando explorar os ganhos e as dificuldades do casal. 

Foi muito interessante, quando a Sra. Y e o Sr. Y visualizaram no gráfico os seus fatores típicos nos respectivos perfis pessoais, pois isso facilitou o autoconhecimento deles, equilibrando suas autoestimas, reconhecendo a pressão que cada um exerce sobre si e sobre o outro. Assim, com esses níveis  de reconhecimentos de si mesmos, eles levantaram algumas estratégias de mudanças de atitudes para o desenvolvimento de cada um e para o casal.

Depois disso, passei para a segunda parte do processo de avaliação, por meio da aplicação do questionário Percepção Interpessoal, disponível da plataforma HumanGuide. Ele permitiu que expressassem a percepção que cada um  tem (avaliador) em relação ao seu par (avaliado), visando a identificar os pontos convergentes e divergentes entre a percepção do avaliador e a autopercepção do avaliado.

Na análise da Percepção Interpessoal, pude constatar alguns dos conflitos expostos por eles, e entender a possível origem de suas dificuldades no relacionamento. 

Figura 4: Percepção da Sra. Y em relação à autopercepção do Sr. Y

Figura 5: Percepção do Sr. Y em relação à autopercepção do Sra. Y

A Sra. Y percebe o Sr. Y com forte presença nos fatores Exposição e Estabilidade, caracterizando-o como alguém vaidoso, com grande necessidade de se mostrar, ser reconhecido pelo outro,  além de vê-lo como uma pessoa que tem muita necessidade de lidar com coisas concretas,   bastante conservador e apegado à tradição, enquanto que o Sr. Y lida com estas questões moderadamente.

Já o Sr. Y percebe a Sra. Y com forte presença nos fatores Exposição  e Força, também como uma pessoa vaidosa e com grande necessidade de se mostrar, se apresentar, ser reconhecida por outras pessoas, enquanto a motivação dela tende a ser a de evitar ocupar posição de destaque, preferindo a discrição. Além destas características, ele também a percebe como uma pessoa que busca transformar a realidade a sua volta e superar os obstáculos que se interpõem a seus objetivos, o que coincide com  as características dela. 

Após esta etapa,  fizemos a discussão destes resultados, relacionando o Perfil Pessoal de cada um com a percepção que o outro tem dele. O teste foi importante para que o casal pudesse enxergar as características dos conflitos e abrir uma comunicação mais reflexiva sobre a principal queixa  entre eles:  a vaidade deles. Este é um  ponto que se apresenta exageradamente no comportamento deles e que gera muito desgaste na relação. Eles levantaram uma hipótese provável que leva o casal a trocarem ofensas: essa vaidade esbarra nos ciúmes e na competição. 

E por último, correlacionei as características de personalidade do casal por meio da análise Sinergia Dual, que apontou aspectos convergentes, e indicou possíveis divergências, mas que têm potencial para serem ser complementares  e ajudá-los a ampliar a visão do casal e contribuir para o fortalecimento da relação.

	Sra. Y
Sr. Y

Figura 5: Sinergia Dual Sra. Y e Sr. Y

Na análise da Sinergia Dual, verificou-se que ambos são sensíveis e afetuosos, ao mesmo tempo que dispõem de energia e determinação para superar obstáculos. Eles apreciam o progresso rápido e estimulam-se mutuamente, embora em diferentes intensidades. Têm disponibilidade para servir, são receptivos e apreciam a proximidade das pessoas. São disponíveis e apresentam tendência a assumir responsabilidade, embora em graus diferentes. 

Por outro lado, algumas divergências foram apontadas que impactam na relação do casal, considerando também a análise da Percepção Interpessoal. Apesar de apreciarem a proximidade das pessoas, eles apresentam graus diferentes de Exposição, enquanto um necessita do reconhecimento e valorização, o outro adota uma postura mais discreta. 

Outro fator importante a ser levantado é: enquanto um aprecia o contato com muitas pessoas, com atitude aberta e descontraída, o outro valoriza a precisão, o controle e a disciplina, orientando-se para a realização de tarefas que exigem atenção e rigor, o que,  eventualmente, podem gerar dificuldade de relacionamento.

Conclusão

O objetivo da terapia é melhorar a comunicação entre o casal, buscando comportamentos mais positivos para uma relação saudável e feliz. Considerando a complexidade do ser humano, esta proposta de avaliação da personalidade por meio do teste HumanGuide me auxiliou, como terapeuta, a mostrar a eles as variáveis relacionadas às suas personalidades e comportamento, que fazem com que adotassem uma forma de comportamento em detrimento de outras. Ele permitiu que o casal enxergasse as diferenças existentes entre eles de forma mais objetiva, para aprenderem a lidar com elas e conseguir, também, administrá-las a favor desta relação, equilibrando as diferenças individuais e compreendendo as necessidades do outro. 

Sendo assim, o teste HumanGuide mostrou ser uma excelente ferramenta para se trabalhar em terapia de casal, ao promover o autoconhecimento de algumas características de personalidade que permanecem latentes ou inconscientes.  Quando essas características são explicitadas,  cria-se a oportunidade de refletir, melhorando a comunicação e o relacionamento interpessoal.

REFERÊNCIAS

FADIMAN, J., (1939). Teorias da personalidade. São Paulo: Ed Harbra

FREUD, S., (1923 – 1925). Obras Completas. O Eu e o ID, “Autobiografia”e outros textos, vol. 16. São Paulo: Companhia das letras, tradução Paulo César de Souza

KENMO, R. (2007). Deixe a personalidade florescer – Um caminho para equilibrar seu espaço vital. (G. M. Welter, Trad. 1ª edição). São Paulo: All Books

SZONDI, L. (1975). Introdução à Psicologia do Destino. São Paulo: Editora Manole.

WELTER, G. M., & CAPITÃO, C. G. (2007). HumanGuide: evidência de validade da versão brasileira. PSIC - Revista de Psicologia da Vetor Editora 8(2), 139-150.

WELTER, G. M. R. (2011) HumanGuide - Perfil Pessoal Vol 1. 1st. ed. São Paulo: Vetor Editora Psicopedagógica.