O MOVIMENTO "MAKER"
O movimento "maker" e o ressurgimento do trabalho manual: um contraponto à perda
Nos últimos anos, temos testemunhado uma crescente ênfase na automação e no trabalho intelectual, com a ascensão da tecnologia e da inteligência artificial. No entanto, essa mudança acelerada também acarretou um lado negativo: a perda da estabilidade e da conexão com atividades concretas. Neste contexto, surge o movimento "maker" como uma resposta à necessidade de reavaliar a importância do trabalho concreto, manual e artesanal. Neste texto, exploraremos a relação entre o ressurgimento do trabalho manual, o movimento "maker" e alguns conceitos formulados por Szondi, e como eles podem oferecer um contraponto valioso à perda de estabilidade que estamos vivendo. A era da automação e da tecnologia trouxe benefícios indiscutíveis, mas também gerou um deslocamento significativo na relação entre os indivíduos e o trabalho manual. Muitas vezes, nos afastamos da execução prática e tangível, o que pode levar à perda de conexão com nossa capacidade de criar e produzir algo fisicamente, concretamente. Essa desconexão tem consequências psicológicas, uma vez que estamos inseridos em uma sociedade que valoriza cada vez mais o trabalho intelectual e a eficiência, mas negligencia o valor intrínseco do trabalho concreto, feito com as mãos. Em compensação, surge o movimento "maker", um fenômeno que vem ganhando força nas últimas décadas. Ele se baseia na premissa de que a realização de atividades manuais, como a marcenaria, a costura, a pintura, entre outras, possui um valor fundamental para a vida moderna. Os "makers" são entusiastas que exploram sua criatividade e habilidades práticas, abraçando a ideia de que o trabalho manual é essencial para uma vida equilibrada e significativa. Eles encontram satisfação na produção física e no processo de criação. Segundo Szondi, uma das oito necessidades pulsionais do seu modelo teórico refere-se à necessidade de dominar e manipular a realidade. No HumanGuide, baseado em Szondi, essa necessidade corresponde ao fator Estabilidade. Como forma de canalização dessa necessidade, o trabalho manual e/ou artesanal, permite que os indivíduos expressem essa tendência, pois nele conseguem estar envolvidos na concepção e criação de algo tangível. Ao se engajarem em atividades manuais, reafirmam seu poder de agir sobre o mundo ao seu redor, fortalecendo sua sensação de segurança. Ao aprofundarmos a análise do trabalho manual como uma possibilidade de prevenção da saúde mental, podemos explorar os conceitos subjacentes ao fator Estabilidade do HumanGuide. O fator Estabilidade refere-se à necessidade de buscar segurança, estabilidade e consistência na vida, o pode ser atendido de diferentes maneiras: 1. Busca por segurança: O trabalho manual pode atender à necessidade de segurança, pois envolve habilidades e conhecimentos práticos que podem ser aplicados de forma consistente. Ao engajar-se em atividades manuais, as pessoas têm a oportunidade de desenvolver um conjunto de habilidades tangíveis e específicas, fornecendo-lhes uma sensação de segurança e confiança em sua capacidade de realizar tarefas concretas. 2. Consistência e previsibilidade: A prática regular de atividades manuais proporciona um senso de rotina, consistência e previsibilidade. Ao seguir um processo passo a passo para criar algo, as pessoas podem estabelecer um ritmo e uma estrutura em suas vidas. Essa consistência pode trazer estabilidade emocional, pois proporciona um senso de controle sobre o ambiente e reduz a incerteza associada às mudanças constantes do mundo moderno. 3. Autonomia e controle: O trabalho manual permite que as pessoas tenham um maior senso de autonomia e controle sobre suas próprias ações. Ao assumir a responsabilidade pela criação de algo físico, elas podem tomar decisões e expressar sua individualidade. Essa sensação de controle contribui para a estabilidade emocional, pois as pessoas se sentem capacitadas e capazes de influenciar seu ambiente. 4. Senso de realização e pertencimento: Engajar-se em atividades manuais pode proporcionar um senso de realização pessoal e pertencimento a uma comunidade de "makers". A conclusão de um projeto manual bem-sucedido pode gerar um sentimento de satisfação e orgulho, fortalecendo a autoestima e a sensação de competência. Além disso, o movimento "maker" cria oportunidades para compartilhar conhecimentos, experiências e se conectar com outras pessoas que valorizam o trabalho manual, promovendo um senso de pertencimento e suporte social. Como exemplo do movimento “maker”, citamos o surgimento do ‘amigurumi’, uma forma de arte manual que envolve a confecção de pequenos bonecos ou objetos de crochê. Essa prática, observada mundialmente, atende a todos os critérios acima descritos: Conexão com a experiência sensorial: Ao criar amigurumis, tem-se a oportunidade de lidar com diferentes texturas e materiais. O toque da linha de crochê, a manipulação das agulhas e a observação do objeto em crescimento estimulam os sentidos, proporcionando uma experiência sensorial gratificante. Alívio do estresse e ansiedade: O ato de crochetar pode ter um efeito calmante e terapêutico. A repetição dos pontos, o foco necessário e a concentração exigida ajudam a desviar a atenção das preocupações cotidianas, oferecendo uma pausa relaxante para o estresse e a ansiedade. Estímulo à criatividade e expressão pessoal: O ‘amigurumi’ é uma forma artística que permite a expressão da criatividade e imaginação, permitindo a criação de bonecos únicos, dando vida a personagens adoráveis e encantadores. A escolha de cores, formas e detalhes oferece uma oportunidade para a expressão pessoal, permitindo que a identidade artística seja compartilhada. Senso de propósito e realização: Concluir um ‘amigurumi’ é uma conquista tangível que traz um senso de propósito e realização. Ver o boneco terminado, após investir tempo, esforço e criatividade, gera um sentimento de orgulho e satisfação. Esse senso de realização fortalece a autoestima e promove a sensação de que o trabalho manual tem valor e impacto positivo. O ‘amigurumi’ se encaixa perfeitamente no contexto do ressurgimento do trabalho manual e do movimento "maker". Ao envolver-se na confecção desses bonecos de crochê, os entusiastas do ‘amigurumi’ se conectam com a experiência sensorial, encontram alívio do estresse, estimulam sua criatividade, expressam sua identidade e experimentam um senso de propósito e realização. O ‘amigurumi’ é um exemplo cativante de como o trabalho manual pode ser uma atividade terapêutica, significativa e prazerosa. Ao associarmos o impacto da automação e da acentuação do trabalho intelectual, do desenvolvimento tecnológico e o surgimento da inteligência artificial com os conceitos subjacentes ao fator Estabilidade do HumanGuide, podemos compreender como o trabalho manual oferece uma resposta significativa à busca por segurança, consistência, autonomia e controle. Ao abraçar o trabalho manual, as pessoas podem encontrar um equilíbrio entre a necessidade de estabilidade e a criatividade, cultivando uma maior conexão com sua própria essência e promovendo a saúde mental. Nesse sentido, verificamos que o movimento “maker” nada mais é que a busca da estabilidade perdida, constituindo um valioso recurso promotor da saúde mental face às mudanças aceleradas que estamos vivendo.
Parabéns Giselle! Sou grata pela sensibilidade que coloca em seus textos ao abordar a teoria, sempre contextualizando ao nosso momento atual! Abraço!
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