Quando Menos é Mais: o Poder do Suficiente
Vivemos em uma era onde o conceito de "suficiente" foi esquecido, substituído pela incessante busca por mais: mais lucro, mais reconhecimento, mais conquistas. Essa mentalidade de crescimento ilimitado se reflete em muitas esferas da vida contemporânea, desde as metas corporativas até as dinâmicas pessoais, onde o valor é frequentemente medido em milhares de curtidas e seguidores nas redes sociais. No entanto, precisamos questionar se esse crescimento desenfreado é realmente sustentável ou desejável, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade.
Na natureza, todos os seres vivos têm um ciclo de crescimento que culmina em um estado de maturidade e equilíbrio. Após alcançar um certo estágio, o crescimento cessa e o foco muda para a manutenção da saúde e do equilíbrio com o meio ambiente. Esse processo natural contrasta fortemente com a crença predominante nas empresas de que o crescimento deve ser contínuo e ilimitado, sem levar em conta os custos sociais e ambientais envolvidos.
A vaidade e a ganância, seja por recursos financeiros ou poder, alimentam essa busca incessante. No entanto, assim como o crescimento descontrolado das células cancerígenas pode levar à destruição do organismo, o impulso implacável por visibilidade, expansão e lucro pode ter consequências desastrosas para as empresas e a sociedade como um todo. O aumento dos casos de burnout é um sintoma claro de um sistema que exige mais do que as pessoas podem razoavelmente oferecer. Em vez de apenas tratar os sintomas, devemos buscar identificar e eliminar as causas subjacentes dessas pressões excessivas.
A pressão para "ser mais" e "fazer mais" é intensificada por expectativas irrealistas, impulsionadas por uma cultura de sucesso absoluto, produtividade extrema e idealizações de superpoderes humanos. Entre os fatores que aumentam essa pressão estão os prazos de entrega cada vez mais curtos, que não apenas exacerbam o estresse dos trabalhadores, mas também contribuem para a sensação de frustração e fracasso quando as metas não são atingidas. Além disso, a crença difundida de que é possível conciliar perfeitamente família e trabalho recai desproporcionalmente sobre as mulheres, criando uma carga emocional e física muitas vezes insustentável.
Curiosamente, muitos trabalhadores da geração Z estão rejeitando essas pressões tradicionais, priorizando a qualidade de vida sobre as exigências de uma carreira intensiva. Tendo visto seus pais se sacrificarem pela carreira, muitas vezes em detrimento da saúde e da convivência familiar, apenas para serem dispensados quando as empresas decidiram cortar custos, essa nova geração busca evitar repetir esses mesmos erros. Esses jovens procuram um equilíbrio entre vida pessoal e profissional que melhor respeite seus valores e limites.
A tecnologia, que deveria ter nos libertado, permitindo-nos realizar mais em menos tempo, muitas vezes tem sido usada para intensificar a carga de trabalho. Em vez de aproveitar o tempo economizado para fomentar a criatividade e o descanso, as empresas frequentemente optam por aumentar as metas e demandas, reduzindo a força de trabalho e exacerbando o estresse dos que permanecem. Essa abordagem de "fazer mais com menos" ignora o potencial benéfico do ócio criativo e do equilíbrio entre trabalho e vida.
Na conclusão dessa reflexão, é essencial reconhecer que esta abordagem contraria o mindset predominante que valoriza o crescimento incessante e a produtividade a qualquer custo. Para muitos, essa perspectiva pode parecer contraproducente, especialmente em um ambiente onde o sucesso é frequentemente medido por conquistas tangíveis e visíveis. No entanto, o custo relacionado à saúde dos colaboradores e ao aumento dos casos de burnout não pode ser ignorado. Os desafios enfrentados pelos trabalhadores não são meramente individuais, mas refletem um problema sistêmico que exige atenção e mudança.
Esta reflexão é, na essência, um convite para uma introspecção sobre quem realmente somos e o que desejamos alcançar, questionando se nossas metas estão baseadas em nossos valores ou nas metas corporativas e na comparação com o sucesso alheio, muitas vezes idealizado, por vezes falso, nas redes sociais. Ao redescobrir o valor do "suficiente", podemos criar um futuro onde o crescimento responsável e o equilíbrio sejam as verdadeiras medidas de sucesso, beneficiando não apenas indivíduos, mas a sociedade como um todo. Moderação bem que poderia ser a nova palavra de ordem, não acha?
Esta reflexão está baseada nos seguintes livros:
De Masi, D. (2000). O futuro do trabalho. Rio de Janeiro: José Olympio.
Goldin, C. (2022). Carreira e família: A jornada secular das mulheres em busca da igualdade. Companhia das Letras. (Original publicado em 2021 como Career and family: Women’s century-long journey toward equality)
Housel, M. (2021). Psicologia financeira: lições atemporais sobre fortuna, ganância e felicidade. Alta Books. (Original publicado em 2020 como The psychology of money: Timeless lessons on wealth, greed, and happiness)
Mukherjee, S. (2023). A canção da célula: a exploração da medicina e do novo humano. Companhia das Letras. (Original publicado em 2022 como The song of the cell: An exploration of medicine and the new human)
Reeves, T., & Nass, C. (2022). A armadilha da perfeição: abraçando o poder do 'bom o suficiente'. (Ainda sem tradução para o português) (Original publicado como The perfection trap: Embracing the power of good enough)
Muito pertinente sua reflexão e a época é bem apropriada para revermos nosso modus operandis que quase sempre repete o padrão do fazer mais, melhor e com menos.
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